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Escritor, poeta, sobrevivente! Morador de rua, uma pessoa incrível que nos tem muito a ensinar...

Esta é uma história com um Final muito Feliz!! E uma vez que todo final é sempre um recomeço, podemos dizer que é uma história que começa novamente aos 74 anos da vida de um homem...


Prezados amigos do Raimundo, 

Hoje, 23 de abril de 2013, faz 1 ano que Raimundo Arruda Sobrinho saiu da “ilha” que viveu por quase 19 anos, um canteiro da Av Pedroso de Morais, em SP.

Nascido na Zona Rural de Goiás, ele estava há 51 anos longe de sua terra Natal e ao todo viveu quase 34 anos na condição de morador de rua em SP.

Tive a honra e o privilégio de conhecê-lo, conviver com ele por quase 1 ano em frequentes visitas e ser sua amiga.

Sentado em um banquinho de madeira, vestido com sacos de plástico preto, ele passava o tempo escrevendo em “pedacinhos de papel”, delicadamente cortados no mesmo tamanho. Todos têm número de série, são datados com o ano de 1999 + o número que falta para se chegar ao ano em questão (por ex, 2012 é 1999 + 13) e assinados como “O Condicionado”.

Abaixo transcrevo a primeira Mini-Página (como ele os denomina) que ganhei:

“Ofertas, Gestos Oferta
Gestos, Páginas Autográfas.
Ponte 2
Que é o interesse do leitor,
Pela vida do autor que ele leu?
E dos demais consumidores de tudo
Que o homem fez?

Ass. O condicionado
SP 4 – 4 – 1999 + 13 (c)

Logo comecei a colecionar as Mini-Páginas, conhecer mais da obra e do homem tão especial que é Raimundo e não tardou para que fizesse esta Página para ele, com o intuito inicial de publicar a sua obra (esta é uma vontade antiga do Raimundo) e com isso fazer com que mais pessoas conheçam a grande pessoa que ele é.

Para total surpresa e alegria, em pouquíssimo tempo a família de Raimundo entrou em contato e, a partir daí, nossos esforços se voltaram para o restabelecimento dos laços familiares e inclusão social do Raimundo.

No dia 23 de abril, ele saiu das ruas e foi para o Caps do Itaim, local no qual recebeu cuidados para que pudesse retornar a Goiás, onde hoje vive com sua família!

Raimundo está muito bem, falamos sempre ao telefone e vou visitá-lo pela segunda vez em breve!

Sou eternamente grata pelo meu encontro com Raimundo, por todo aprendizado que este encontro tem me possibilitado, pela convivência com este ser iluminado e por poder servir de canal para que sua condição mudasse tanto, de forma tão plena!

Esta é uma história com um Final muito Feliz!!

E uma vez que todo final é sempre um recomeço, podemos dizer que é uma história que começa novamente aos 74 anos da vida de um homem (que por quase a metade de sua vida foi “Condicionado” às maiores adversidades que muitos de nós sequer consegue imaginar) com o merecidíssimo acolhimento e amor, ao lado dos seus familiares!

É uma grande prova de que tudo é possível e não importa quão difícil nossa condição de vida se apresente, sempre é possível melhorá-la! 

Em breve e, ao lado dele, darei mais notícias para vocês!!

Despeço-me com as sábias palavras do nosso querido poeta, escritas após retorno de uma viagem familiar:

“Desgraçado do homem que se abandona

Estas seis palavras acima indicam que, por pior
que seja a situação, nunca, nunca o homem deve
considerá-la perdida porque ninguém pode
dar garantia que adversidade seja invulnerável”

Raimundo Arruda Sobrinho, 04/11/2012

Maravilhoso Mestre!!!

Abraços Fraternos!

  

RAIMUNDO RETORNA À SUA TERRA NATAL


É com MUITA HONRA e ALEGRIA que comunico que RAIMUNDO JÁ ESTÁ COM SUA FAMÍLIA, EM GOIÂNIA!!

Quero agradecer o carinho que vocês têm demonstrado por aqui, saibam que foi e é muito importante para ele, agradeço especialmente aos que foram visitá-lo, enquanto ele esteve no Caps, agradeço as pessoas que cuidaram dele e estiveram com ele no Caps e, sobretudo, a sua cunhada Roberta, que esteve todo o tempo acompanhando e mobilizando os esforços para que este sonho fosse possível!!!

Sou imensamente grata por servir de canal para que tantos reencontros e encontros, do Raimundo com a família e do Raimundo com todos vocês, por meio desta página, acontecessem.

É muita felicidade saber que este homem tão maravilhoso, que no inverno do ano passado estava ao sabor do frio e das adversidades das ruas, está neste momento acolhido, amado e de volta à sua terra Natal, com sua família.

Estou tão feliz que me faltam palavras, mas esta linda história corrobora a certeza de que pequenos atos podem ter grandes resultados!

A solução de um problema, muitas vezes tão complexo que perpassa a nossa compreensão e ação individual, está em dar o primeiro passo, fazer algo e com isso mais pessoas vão se somando e quando nos damos conta, somos mais de 20 mil!

É na REDE e por meio dela que as grandes mudanças acontecem!

NÓS SOMOS MUITO quando nos UNIMOS e independente da realidade e momento de cada um, mesmo nas condições mais adversas, devemos sempre ACREDITAR que é possível transcender-nos, melhorarmos e realizar nossos sonhos, sejam eles quais forem!

Raimundo sempre se manteve fiel ao seu sonho, a sua verdade. Ele jamais deixou de escrever, seu grande dom, durante os quase 35 anos que viveu nas ruas. No frio, no calor, na chuva e na escuridão da noite, ele seguia, como podia, escrevendo. E disse, quando nos conhecemos, que nunca teve quem lesse ou julgasse o que ele escrevia.

Por meio desta página seu sonho começou a se realizar. Ele recebeu carinho e reconhecimento, por parte de vocês, que certamente não havia ainda experenciado e, além disso, reencontrou sua família e o merecidíssimo acolhimento!

Agora, nosso amado poeta, “o Condicionado”, como ele se autodenomina, poderá escrever sua história com as tintas do amor, nas condições que ele merece e, finalmente, publicar seu sonhado livro!

E por fim, que na verdade é um novo começo, logo estarei em Goiânia, pois semana que vem, dia 01 DE AGOSTO, É ANIVERSÁRIO DE RAIMUNDO!!! E a festa vai ser grande!!! 


Seguirei dando notícias para vocês!! Teremos muitas novidades pela frente!!! Abraços Fraternos Shalla

Raimundo e o frio...

O clima de frio e chuva desta semana em São Paulo me lembrou esta época no ano passado. Conheci Raimundo um mês antes e em julho, num dia como hoje, quando já estava pronta para dormir, resolvi ir até a Pedroso de Morais, na "ilha" que ele morava. Fazia muito frio e levei um cobertor, meias e uma luva para ele. Quando cheguei lá estava ele sentado no seu banquinho coberto com o seu plástico “bolha”, sua única proteção. E os pés descalços, na terra! Sem um agasalho, apenas sentado. Aproximei-me, ele levantou o plástico e eu comentei que não consegui ir dormir pensando em como ele estaria na rua, naquele frio. E perguntei: Raimundo você não está com frio? E ele sabiamente respondeu: “O frio e o calor são transitórios. O café esfria progressivamente. Nós não armazenamos nada”. Depois disso, o que falar? Apenas o abracei, pela primeira vez, o envolvendo com o cobertor que levei para ele. Foi um abraço com tanta energia que iluminou aquela noite tão fria...

RAIMUNDO ARRUDA SOBRINHO REENCONTRA SUA FAMÍLIA, POR MEIO DO FACEBOOK, E SAI DAS RUAS DEPOIS DE MAIS DE 33 ANOS


É com muita felicidade que informo que ontem, dia 23 de abril de 2012, depois de mais de 33 anos morando nas ruas, Raimundo Arruda Sobrinho está sendo cuidado pelo serviço de saúde do SUS. 

Conheci Raimundo há quase 1 ano e, desde o primeiro dia, soube que precisava fazer algo para melhorar a sua condição. Raimundo penetrou na minha alma e desde então faz parte da minha história. 

Comecei fazendo visitas frequentes (no último ano visitei mais Raimundo do que qualquer outra pessoa!), fui compreendendo sua história de vida, colecionando suas Mini-Páginas (poesias em "pedacinhos de papel", como ele denomina), recebendo sua sabedoria e a cada encontro aprendendo mais sobre e com Raimundo. Realmente um poeta da vida, que fez das adversidades sua inabalável força de guerreiro, que convive sem ofuscar com a sua sensibilidade nata de artista. 

Passei muitas horas sentada na sua enferrujada latinha, que serve ao mesmo tempo de mesa de trabalho (para escrever suas Mini-páginas e seu diário) e banquinho para quem o visita.

Foi quase 1 ano de conversas e convívio, como ele diz "da mais alta a mais baixa sociedade", pois ao estar com Raimundo passam muitos carros e pessoas ofertando alimentos, objetos, roupas, etc. Era mesmo da mais "alta sociedade", a se falar pelos carros, pelas vestimentas das pessoas. Ao mesmo tempo, o que mais me interessava, por meio de Raimundo, descobri e convivi com moradores de rua, pois Raimundo era um "centro de distribuição", pois era para outros moradores de rua que ia grande parte (senão a maioria) das coisas que ele ganhava. Ele mesmo só comia (pouco) e usava caneta e papel (para o que mais lhe interessa: escrever). Cobertores (eu mesma cheguei a ter que comprar para mim, qdo o inverno do ano passado chegou forte, pois dei para Raimundo os 2 que tinha), roupas e outras coisas não ficavam com Raimundo. 

Aprendi mais com Raimundo e com  a convivência com ele do que poderia imaginar!

Como primeiro passo na direção de ajudá-lo resolvi criar uma página no Facebook para ele (https://www.facebook.com/ocondicionado) com o intuito inicial de publicar a sua obra (esta é uma vontade antiga do Raimundo) e com isso fazer com que mais pessoas conheçam a grande pessoa que é Raimundo.

Não demorou para que a família do Raimundo, com quem ele não tinha contato há muitos anos, fosse localizada! Este foi um passo decisivo, pois a partir daí os esforços foram direcionados no reencontro com a família e no que este reencontro poderia trazer. 

Em menos de 3 semanas entre a localização da família por meio do Facebook, o irmão mais novo do Raimundo veio a São Paulo e o reencontro (os dois não se viam desde que Raimundo deixou Goiás, seu irmão era um bebe de colo) foi emocionante! Passaram 2 dias conversando! Raimundo teve notícias de toda família e amigos, dos quais ele se lembra com riqueza de detalhe! 

Após este encontro, a família esteve em São Paulo por mais 2 oportunidades. Na segunda, chegamos a planejar a remoção de Raimundo para ir viver com eles. Havíamos combinado muitos detalhes, mas Raimundo não quis ir, disse que não poderia e não queria incomodar. 

Mesmo assim, não desistimos e, por meio de contatos com as instancias públicas finalmente ontem 23 de abril Raimundo está sob cuidados, dormindo em uma cama, com um quarto para ele e muito carinho!! 

Este é um novo momento na vida deste grande homem que já enfrentou inúmeros obstáculos e condições muito adversas! 

Servir de meio para que esta mudança acontecesse me faz acreditar ainda mais que é possível mudar a condição na qual existimos, a começar pela nossa, a dos outros, a do mundo!

Sou muito grata pelo encontro com Raimundo e é com muita honra e emoção que escrevo estas palavras! 

E que sirva de inspiração para mais pessoas!

Hoje temos meios de comunicação, como este blog, como as mídias sociais, como o Facebook, que podem servir para diminuir as distancias do mundo, sejam elas determinadas por fronteiras geográficas ou por fronteiras sociais (esta certamente a maior barreira). Em suma, temos a tecnologia a nosso favor, basta usarmos e um bom uso é incluirmos pessoas que tem muito a nos ensinar, bem mais do que podemos imaginar!

Olhar o mundo sob outros olhos nos abre um horizonte, um mundo de possibilidades de colocarmos nossa energia, nosso amor a serviço do(s) outro(s)! 

Abraços fraternos e cheio de luz, 



RAIMUNDO E SUA REDE SOCIAL

Não precisa ficar muito tempo junto com Raimundo para perceber que ele se relacionada com diversas pessoas, de diversos e muitas vezes mundos antagônicos.

São pessoas que passam de carro gritam e buzinam: Raimundo, Profeta, Poeta!
É quase rotina os carros de a polícia cumprimentarem Raimundo!

Foi lindo o dia em que um ônibus escolar parou perto e as crianças gritavam Raimundo, Raimundo, pela janela! E ele sempre retribuiu com um aceno de mão e um sorriso.

E tem aos montes quem vem deixar uma comidinha, cobertor, água, barrinha de cereal, almoço, jantar, café, papel, caneta, cadernos, coisas e mais coisas e 

Raimundo nunca pede nada! Ele apenas agradece e guarda. Não demonstra nenhuma ansiedade em abrir os sacos, em comer, em nada, ele apenas agradece e guarda.

Demoramos um pouco a perceber que não adiantava presenteá-lo e não ficar frustrado em perceber que ele agradece, mas na maioria das vezes, não usufrui, ele passa a diante.

Raimundo é mesmo um "centro de distribuição" para os moradores de rua da região e mesmo de outras regiões. Ele praticamente doa tudo que ganha. Não retém quase nada! E ele ganha muitas coisas, o tempo todo!

Percebemos também que além de ser um altruísta, Raimundo sabe muito bem lidar com as adversidades que está exposto, depois de 33 anos nas ruas, a doação é uma forma também de se proteger, sua moeda de troca, quando possivelmente poderia sofrer algum tipo de agressão. 

Ah se o mundo fosse como Raimundo!  

NO DIA SEGUINTE


No dia seguinte... voltamos para conversar com Raimundo!

Era hora do almoço e levei uma comidinha bem gostosa para ele. Ele gentilmente agradeceu, mas não abriu o pacote. Serenamente se levantou e guardou na sua "casinha".

Voltou ao seu banquinho, desmontou sua "escrivaninha" - composta por 2 latas de tinta enferrujadas - e nos deu para sentar.

Pronto, estávamos sentados com Raimundo!

Me chamou atenção um grande livro, confeccionado por ele (com capa de plástico e uma fivela também de plástico para fechar). Perguntei o que era.

"É meu Diário". Nos contou que escreve todos os dias - quando tem tempo - para registrar como foi o dia, pois esquece.

"O que passou e não volta mais. Assim, o diário conserva".

E o papo fluiu por quase uma hora. Nos contou que nasceu no dia 1º de agosto de 1938, na zona rural de Goiás, chegou a São Paulo com 23 anos. Foi jardineiro e vendedor de livros. É morador de rua desde 79, no mesmo local há 18 anos.

Raimundo se veste com sacos de lixo preto e sua "casinha"  é feita por sacos que ele artesanalmente foi costurando até fazer uma “cabaninha”.

Logo dá para perceber que ele é culto e leu muito. Ele fala com maestria a quantidade de livros que leu e diz que foram os livros que o salvou!

Enquanto estamos com ele, logo aparecem várias pessoas, de todos os tipos! Uma diversidade só!

Param carros para entregar comida e água, passam pessoas para presenteá-lo com papel, canetas, materiais de trabalho para ele... Buzinam carros e pessoas gritam "Profeta", "Poeta", "Raimundo".... Chegam outros moradores de rua e logo percebi o que Raimundo faz com a maioria das coisas que recebe (para não dizer quase a totalidade) ele distribui....

Raimundo recebe e distribui!

E a partir deste dia, Raimundo entrou na minha história e passei a querer vê-lo e a falar sobre ele para as pessoas.

Como um homem pode estar há tanto tempo naquelas condições e se manter tão integro? Qual a história de vida do Condicionado? O que ele tem a nos ensinar? O Choque e a integração entre a mais alta e a mais baixa sociedade (como ele diz)?

CONHECENDO RAIMUNDO

Um dia eu vi um homem em um canteiro, numa rua de uma das maiores cidades do mundo: São Paulo!

E ele estava no seu mundo! Tanto barulho, tantas buzinas. São Paulo atordoa! 

E lá estava ele, sentado, tranqüilo, sereno.. escrevendo…

Após passar por ele algumas vezes, resolvi atravessar a rua, numa tentativa de cumprimentá-lo e, com isso, quem sabe iniciar um diálogo.

Dei bom dia e vi um sorriso seguido de “quer ganhar uma folhinha de papel?”.

Era o que eu precisava para então, finalmente, chegar perto dele. 

Ele tinha algo mais, que eu percebi desde a primeira vez que o vi... Era intrigante como poderia estar ali, tão natural, em um contexto tão diverso.

E assim foi a primeira vez que falei com Raimundo! Recebemos seu “papel” e, após agradecer e olhar-lhe nos olhos, li em voz alta:

“Ofertas, Gestos Oferta
Gestos, Páginas Autografadas.

Ponte 2
Que é o interesse do leitor,
Pela vida do autor que ele leu?
E dos demais consumidores de tudo
Que o homem fez?

Ass. O condicionado
SP 4 – 4 – 1999 + 13 (c)

Como é integrado este homem que se apresenta tão sereno e firme diante de tantas adversidades? Quem é o homem por trás deste "avatar"? E logo perguntei seu nome.

"Raimundo Arruda Sobrinho", disse ele!

Muito prazer, eu sou Shalla e este é o Ignacio. Que bom te conhecer! O que você escreve é muito profundo e interessante.

O que são as suas páginas autografadas?

“São mini páginas, pedacinhos de papel que não tem nenhum valor, feito por mendigo para presentear, mas não tem valor nenhum”.

E porque você assina como “O Condicionado”?

“Porque estou em numa condição que nada posso fazer, aqui neste lugar desde 96, no mesmo lugar, e nas ruas desde 78. Um homem nas minhas condições não é humano, é animal irracional, que não presta para nada, não vou a lugar nenhum... Estou alejado das pernas e antes andava curvado, como um animal que sou...

Um homem que não tem estudo, que não tem nada, não tem valor nenhum..”

Mas este homem é muito talentoso e simpático, logo retruquei!  Posso vir conversar com você mais vezes? Eu já tinha visto você, mas não queria incomodá-lo, mas agora que nos conhecemos eu gostaria de te visitar.

“Ah, pode vir, faça o que quiser, o que tiver vontade! Estarei sempre aqui, muito agradecido..”

Perguntei se ele já tinha almoçado e ele disse que não me preocupasse com isso, que ele não precisava de nada.

E nos despedimos!